Não. Você não leu errado. Não vou falar sobre o livro 50 tons de cinza porque eu nem li aquilo. Vou falar sobre a questão do ser negro no Brasil. Só usei este título para o artigo porque combinou.

         Bom, eu tenho uma amiga que postou em seu perfil do facebook “Sou negra sem reticências sem vírgulas. Sou negra e ponto final”. Alguém comentou que isso sim era determinação, pois a professora tinha certeza do que era. Eu comentei que em um país tão misto como o Brasil até quem tem certeza, duvida da certeza que tem. Ela então me disse que ser negro não é apenas questão de cor de pele, mas sim de crenças, costumes e comportamentos. “Ok”, pensei comigo, “então se um negro quiser mandar para os campos de concentração judeus, gays e outros negros, crer que ele é superior e se comportar como um alemão, ele se torna branco?”. Mas eu não coloquei isto, porque ela ia me dar uma resposta tão bem elaborada que eu ia perder. E perder uma discussão é muito pior do que apenas não ganhá-la. (por algum motivo misterioso ela desativou os comentários sobre a foto. Deve ser para evitar a ladainha de sempre...)


         O fato é que eu fiquei pensando “será que eu fico renegando minhas origens, oh Deus?”. Aí, tal qual Jesus, eu utilizo parábolas para tentar explicar para mim mesmo que eu não renego meus ancestrais. Por exemplo, em uma xícara você coloca metade café, metade leite. Esta xícara poderia se orgulhar de ser café? Não! Exatamente porque ela não é café. Poderia ela se orgulhar de ser leite? Também não, porque ela também não é leite. Ela é café-com-leite.


         É o caso, por exemplo, de um filho de um angolano “puro” e uma russa “pura”. Suponhamos que ele nasça moreno, exatamente 50% de cada um. Ele seria negro ou branco? Nenhum dos dois. E daí pode emergir inúmeras variações, como ter a pele branca, mas cabelos crespos e lábios e nariz largos. Ou ter a pele negra e o cabelo liso e olhos claros, enfim...

Outra coisa que me instiga é que quem se assume negro (mesmo que necessariamente não o seja) é exaltado pelos demais. Você encontra várias camisas escritas “100% negro” por aí. Procura uma “100% branco”. Nem no google imagens, para ilustrar este post eu encontrei. Muito menos encontraria 100% misturado: “25% negro, 25% indígena, 25% branco, 10% oriental e 5% de origens desconhecidas”. E nem vou entrar no mérito histórico de opressão e coisas do gênero, porque querer combater a desigualdade histórica com mais uma leva de orgulho pela desigualdade de cor é o mesmo que comer uma comida muito salgada e depois beber algo muito doce para equilibrar o organismo. Sinto lhe informar, mas tu vais morrer de diabetes e hipertensão, meu querido.


E para mostrar com fatos da vida real que a questão de ser negro ou não ser negro é muito mais complexa do que imaginamos, eis um exemplo curioso: irmãos gêmeos univitelinos (ou seja, idênticos, gerados na mesma placenta), filhos de pai negro e mãe branca foram tentar uma vaga na universidade através da cota para negros. Um foi considerado negro e conseguiu. O outro, julgado por outra comissão não conseguiu, certamente porque não era negro, mas mulato. A reportagem completa você encontra clicando AQUI.


Há quem diga que basta uma gota de café no leite para que ele não seja mais branco. Isso significa que, mesmo que a pessoa seja loira dos olhos azuis e tenha o avô crioulo, ela será negra. Contudo, parece que esta assertiva não é válida ou pelo menos não foi analisada pelo ângulo oposto. Ou seja, bastaria uma gota de leite no café para ele não ser considerado negro. Negro um tom a menos, uma nova categoria que ao procriar geraria outra subcategoria e assim sucessivamente. Se criarão, deste modo os diversos tons de negro, de pardos, vermelhos e amarelos que existem.

E nessa “guerra” ideológica, muitas vezes somos capazes de nos perder e esquecer que, essencialmente, a alma não tem cor.

Escrava Isaura, a negra mais branca da nossa literatura. Ou seria a branca mais negra?